sexta-feira, 10 de maio de 2013

Entrevista com o Presidente da ANDDVIS Ruben Portinha: os trunfos do Goalball nacional


Ruben Portinha
O Goalball, modalidade de eleição entre a população com deficiência visual, conhece uma realidade em pleno contraste com o que sucede na maioria dos desportos adaptados em Portugal, encimando a política da Associação Nacional de Desporto para Pessoas com deficiência visual – ANDDVIS  – as áreas da promoção e captação de novos praticantes. 


Ruben Portinha, presidente da ANDDVIS – e jogador de Goalball que actua no CAC (Clube Atlético e Cultural) -, falou ao “O Caminho é o Fim” da preocupação em torno destes dois tópicos, mas não só, com particular enfoque no Campeonato Juvenil de Goalball, organizado desde a época 2011/2012, e nas diligências em atrair público, patrocinadores e atletas.


Precisamente novos atletas, e fomentar o gosto pela modalidade, são os grandes objectivos do evento “Goalball para todos”, que toma lugar amanhã, 11 de Maio, no Pavilhão Paz e Amizade em Loures, das 13 às 19 h, e tem como destinatário pessoas normovisuais. Afinal, é bom realçar, ao contrário do que acontece no Campeonato Juvenil, o Campeonato Nacional de Goalball (sénior) permite a participação de atletas sem deficiência visual.


Em oposição a outros desportos adaptados, a ANDDVIS demonstra preocupação com a renovação. Como surgiu o campeonato juvenil de Goalball?

Surge na sequência de algumas iniciativas da ANDDVIS, como integrar jovens, entre os 7 e os 17 anos, a experimentar a modalidade nas jornadas do Campeonato Sénior, com o objectivo de renovar gerações e incentivar a prática do Goalball.

Encaram a participação de atletas normovisuais como um estado transitório, até que a modalidade esteja suficientemente divulgada e o nº de atletas com deficiência visual aumente, ou como algo permanente?

No Campeonato juvenil, só temos pessoas com deficiência visual, privilegiamos que assim seja. O objectivo aqui é dar a estas crianças todos os benefícios que o desporto traz para as suas vidas e incutir o gosto pela modalidade, pela prática desportiva e tudo mais. Ao nível dos seniores, incluímos jogadores sem deficiência visual e é algo para manter. Embora não seja um prática internacional, temos como objectivo promover a modalidade junto das pessoas sem deficiência e também trazer mais alguns atletas ao nosso campeonato, uma vez que é uma modalidade não muito divulgada.

O evento “Goalball para todos” é mais um exemplo desta integração inversa. Qual é a vossa expectativa com o projecto?

Temos uma expectativa elevada. Cumprimos um dos objectivos que era atingir o número máximo de inscrições de equipas - neste caso é de 12 -, o que significa cerca de 40 a 45 pessoas [sem deficiência] a experimentar o Goalball. É excelente. Temos também a envolvência de vários parceiros, cerca de 10 instituições, que durante o evento - que é multifacetado -, vão ter a oportunidade de expor o seu trabalho e alguns produtos. 

Os objectivos são promover a modalidade, dar a conhecer uma modalidade praticada por pessoas com deficiência visual... como é jogar de olhos vendados, ficar privado da visão - e orientarmo-nos pelo som - e da orientação espacial. É um desafio enorme para quem é normovisual e, ligado a isso, dar a conhecer também o muito bom trabalho que estes atletas desenvolvem ao longo das épocas. Queremos ainda promover o convívio, o desportivismo, a competitividade saudável e a prática desportiva.

Em Portugal, existe a tendência para se valorizar em exclusivo a componente terapêutica e recreativa do desporto para pessoas com deficiência. O que falta para nos afirmarmos do ponto de vista competitivo e quem sabe chegarmos aos   Jogos Paralímpicos?

Acima de tudo estruturas. O goalball está há cerca de 19 anos implementado em Portugal, e se fôssemos construir um gráfico da realidade da modalidade ao longo das épocas, podíamos reparar que há altos e baixos. Já tivemos edições de campeonatos com um numero de equipas bastante superior ao que temos hoje em dia. Isto é uma bola de neve... Nós estamos a tentar levar a Selecção Nacional ao Campeonato da Europa, grupo C, e para isso são precisos 9000 euros, dinheiro que nós não temos. Não temos acesso a ele por via estatal, porque não estamos ainda no patamar da alta competição e vamos ter de o ir buscar. Vamos ter que encontrar contributos externos. Patrocínios... Se nós não conseguirmos este apoio, não vamos lá chegar. Se nós não chegamos lá, não temos hipótese de fazer resultados. Se não fazemos resultados, não temos um produto do trabalho forte para mostrar, ou seja, “Portugal foi ao Europeu... ganhou o Europeu; a modalidade está a crescer”, etc, etc. Por consequência, o grau de interesse e de ligação à modalidade vai ser diferente do que se tivermos uma estrutura criada. 

Nós vamos ali a Espanha e temos 2 campeonatos nacionais, 1ª e 2ª divisão; temos campeonatos de formação, campeonato feminino, uma selecção nacional de top, que pertence ao grau paralímpico. Porquê? Porque está devidamente estruturada a modalidade. Aqui em Portugal ainda há um caminho muito longo a percorrer. E depois, o Goalball partilha dos males de todas as modalidades paralímpicas: a visibilidade, o grau de importância que se lhe dá por parte do chamado grande público, o espaço nos meios de comunicação, a projecção...

O Goalball é o grande cartão de visita do desporto para pessoas com deficiência visual. O que é que tem de especial esta modalidade?

Em primeiro lugar, o facto de ser uma modalidade colectiva. Muitas vezes leva erradamente várias pessoas, e especialmente pessoas do meio jornalístico, a associá-lo com o futebol. Não tem nada a ver uma modalidade com a outra. O Goalball é uma modalidade -  e este é um ponto interessantíssimo – criada de raiz para pessoas com deficiência visual. Existe o futebol para cegos que não tem nada a ver com o Goalball. 

O Goalball exige um grande desenvolvimento e apuramento dos sentidos da audição e da orientação espacial, para que o atleta oiça a bola, saiba para onde é que ela vai e ao mesmo tempo saiba onde está [o atleta] dentro do campo. Resulta num treino fantástico para a utilização destas características que são tão úteis para uma pessoa com deficiência visual no seu dia-a-dia. Ou seja, eu praticando Goalball, usando permanentemente nos treinos e jogos a minha audição, a minha orientação espacial, estou muito mais habilitado a nível físico e psicológico a usar estas ferramentas para meu próprio bem, para meu benefício no meu dia-a-dia. 

Além disto, temos a interacção de grupo, o espírito de grupo, o conhecimento de novas pessoas, de novas realidades, a partilha de experiências, a partilha muitas vezes também de problemas entre colegas de equipa e modalidade. Tudo isto, em termos físicos e psicológicos traz vantagens inegáveis. Esta é a mensagem que transmitimos, porque as pessoas podem pensar: “vou praticar Goalball, atletismo, natação ou seja o que for, para quê? O que é que isto me vai trazer de bom na realidade do dia-a-dia?” E a verdade é que vai. Olhando para uma pessoa com deficiência visual que pratica desporto e outra que não o faz, a diferença é enorme.

Quando se fala em falta de acessibilidade e discriminação, associa-se de imediato a deficiência motora. Acha que a deficiência visual é esquecida em Portugal?

Muito sinceramente, do meu ponto de vista sim. Hoje em dia, quando se fala em acessibilidade, se nós associarmos a objectos ou a infra-estruturas, associamos a rampas. Esquecemo-nos muitas vezes do acesso à informação, de que se calhar a iluminação de um espaço é importante; o nível de obstáculos dentro de um espaço ou no meio aberto, por exemplo na rua, também é importante, assim como os contrastes de cor, as texturas do piso, distinguir uma porta de outra coisa qualquer dentro de um espaço fechado.. Tudo isto é importantíssimo. Ainda acontece muito este desnível em termos de sensibilização para a acessibilidade física e de informação. Mas também é verdade que nos últimos anos têm havido passos muito importantes e melhorias. Há que o dizer. Mérito seja dado às instituições que representam e defendem os direitos das pessoas com deficiência visual. Estou-me a lembrar nomeadamente da ACAPO, que tem feito um trabalho interessante.
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GOALBALL

O nascimento do Goalball remonta a 1946, mas a primeira aparição oficial data de 1976, ano em que se organizou o 1º Campeonato do Mundo de Goalball, na Áustria. Para não variar, a modalidade demora a chegar a Portugal, algo que só acontece em 1992 pela mão dos professores José Santos e António Santinha, que promoveram demonstrações dirigidas ao público escolar. Três anos volvidos, realiza-se a primeira edição do campeonato nacional com cinco equipas.
Disputado entre duas equipas, cada uma constituída por 3 jogadores de campo mais 3 jogadores suplentes, o Goalball pratica-se em recinto coberto com piso em madeira polida ou sintético, sendo necessário durante o jogo o máximo silêncio de modo a que seja possível aos atletas percepcionar a bola, que tem guizos para esse efeito. O objectivo é atirar a bola para a baliza adversária, cuja largura coincide com a do campo. O lançamento da bola é feito com a mão e ao nível do chão.
O campo tem as mesmas dimensões do campo de voleibol (9m x 18m) e possui marcações em relevo para assim possibilitar a orientação dos jogadores. Divide-se em 3 áreas por equipa: área de equipa; área de lançamento; área neutra. Todos os jogadores devem jogar com vendas de maneira a que estejam em pé de igualdade, já que o desporto está aberto a atletas cegos e de baixa visão.  

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