A Meia Maratona de
Lisboa foi tema de notícia vezes sem conta, pela positiva, graças à
participação recorde, que ascendeu a 40 000 inscritos. Contudo, aquela que é
umas das provas mais conceituadas do mundo desta distância trouxe dissabores
aos corredores em cadeira de rodas. Na origem dos incidentes, esteve o
pavimento, em paralelo, da recém-inaugurada Avenida da Ribeira das Naus – já em
vias de ser reparada como ontem adiantou o Público -, esbulhando qualquer
possibilidade aos atletas em cadeira de rodas de tentarem a obtenção de uma boa
marca ou mesmo a quebra do recorde do mundo.
Fonte: Jornal Público |
O alarme soou na inspecção do percurso. No decorrer da tarde
de sábado, “vimos o grande problema que era a nova parte empedrada - um grande
risco para os atletas e para o nosso equipamento dispendioso!”, conta Heinz Frei, um dos mais indignados. “Toda a gente ficou surpreendida e desapontada”,
reforça Paul Odermatt, treinador do suíço Marcel Hug.
A preocupação com a segurança dos atletas motivou discussão
prolongada até que se entreviu uma solução que representava um mal menor. “A
nossa decisão foi fazer a viragem antes da parte problemática – não teríamos
uma Meia Maratona, mas uma boa corrida, com total desempenho, talvez em 19 km”,
revelou Heinz Frei, 2º classificado na prova. As propostas quer de alteração da
distância, quer do próprio percurso não colheram sucesso junto da organização.
Heinz Frei, à esquerda, e Roger Puigbo cortam a meta. Fonte: Maratona Clube de Portugal |
O histórico atleta paralímpico diz terem sentido “alguma
falta de respeito pelo desporto em cadeira de rodas, depois dos dias de glória
de Londres 2012” e expõe com revolta a pergunta: “Qual teria sido a posição dos
organizadores caso o problema afectasse os corredores sem deficiência?!”.
Também o espanhol Roger Puigbo, vencedor da edição deste ano,
expressou a sua decepção, apelando a que se lute para que “a organização
entenda que dificilmente se obtêm boas marcas neste piso”. Afinal, “perdemos
quase dois minutos ao diminuir a velocidade para nossa segurança”, desabafa.
Sim, porque a prova acabou por tomar lugar através de uma resolução extrema,
danosa para o alcance de grandes marcas. “Acordámos que correríamos a primeira
parte de forma competitiva, depois abrandaríamos a velocidade na parte com
problemas, e recomeçaríamos – a alta intensidade – a segunda parte da prova”,
sabendo de antemão que “não é possível um tempo rápido nestas condições”,
relata Heinz Frei. Recorde-se que, ironicamente, a Meia Maratona de Lisboa é
considerada a mais rápida a nível internacional.
“Todo o atleta tem de
ser respeitado” – Paul Oddermat
Os esforços de contenção dos atletas não evitaram
consequências desastrosas. Marcel Hug, um dos grandes favoritos à vitória,
seguia líder quando a direcção da sua cadeira partiu, relegando-o na
classificação final para um amargo 8º lugar. Jade Jones, vencedora na vertente
feminina, e Ernst van Dyk foram outros dos atletas fustigados com a
irregularidade e os buracos do pavimento.
A Avenida da Ribeira das Naus assinalada com um rectângulo a azul |
Paul Oddermat reclama um tratamento digno dos atletas em
cadeira de rodas, advertindo que está em jogo o valor do desporto. “Todo o
atleta tem de ser respeitado”, remata. O técnico de Marcel Hug adiantou que o
boicote à Meia Maratona de Lisboa só não se materializou devido à estima dos
atletas pelos responsáveis da prova em cadeira de rodas.
Contactado pelo O Caminho é o Fim, o Maratona Clube de
Portugal avançou que a hipótese de integração do trecho da Avenida da Ribeira
das Naus, solicitada na sexta-feira pela Câmara de Lisboa, “foi apresentada à
AIMS (Association
of International Marathons and Distance
Races)”, cujo parecer foi favorável, “pelo que a organização ficou
despreocupada”, diz Rafael Marques, director-geral do Maratona. “O problema
surgiu quando esta nova Avenida da Ribeira das Naus foi aberta à circulação de
trânsito automóvel, provocando em poucas horas danos inesperados na via e que
inviabilizavam a realização de trabalhos de recuperação em tempo útil”,
explica.
O responsável do
Maratona Clube de Portugal agradece aos atletas a compreensão e afiança que, no
próximo ano, tudo será feito “junto das entidades responsáveis para que o
percurso esteja em perfeitas condições”, assim como “perspectiva a existência
de uma equipa de trabalho única já em Outubro”, contrariamente ao que se tem
sucedido com a organização da prova em cadeira de rodas a ser planeada por um
grupo de profissionais específico.
Porém, “o percurso
irá manter-se, apesar de estarmos conscientes de que o empedrado adicional vai
condicionar a obtenção de boas marcas, na competição em cadeira de rodas”.
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